04 novembro 2009

News Release 1194 : Plataforma Ciudadana en Defensa del Ferrocarril (Salamanca)



Faro [Portugal], 04.11.2009, Semana 45, Quarta-feira, 16:04

O Semanário "A Guarda", na sua edição na internet, edita uma entrevista com Carlos d'Abreu, que é dirigente da Plataforma Ciudadana en Defensa del Ferrocarril, que tem a sua sede em Salamanca. Por ter interesse relevante, com cortesia, editamos em favor dos nossos leitores, a referida entrevista:

O Centro de Estudos Ibéricos “tem dado um contributo extraordinário à aproximação entre os Povos Peninsulares”

Carlos d‘Abreu é um raiano do Douro Transmontano, que exerce as funções de Técnico Superior do Ministério da Educação, na cidade da Guarda. Faz parte da Plataforma Ciudadana en Defensa del Ferrocarril (Salamanca) constituída para defender o património ferroviário da Linha do Douro que começou a encerrar em 1985 no lado espanhol e em 1988 no território nacional. Define-se como um Patrimoniólogo dedicando algum do seu tempo à investigação sobre o Património Cultural e Natural Duriense, à Arqueologia Industrial, às Vias de Transporte na Raia Ibérica do Douro e à História das Relações Ibéricas.

A Guarda: Quem é Carlos d‘Abreu?

Carlos d‘Abreu: É um raiano, do Douro Transmontano, “na realidade ibérico”, como dizia o Prof. Agostinho da Silva.

A Guarda: Que ligação tem à Guarda?

Carlos d‘Abreu: A Guarda foi a terra eleita em 1995, para regressar ao Interior depois de vivências por vários Litorais. Considerando que o meu Concelho natal é equidistante relativamente a Bragança e à Guarda, e como eu só poderia exercer profissionalmente numa capital de Distrito, optei por esta, por ser mais central por um lado e, porque com ela a minha família tinha desde longa data algumas relações (desde menino que escutava a Rádio Altitude), para além de ter melhor caminho para a cidade de Salamanca, com a qual há muito me relacionava através do meu “paisano” Francisco Botelho, um célebre poeta e literato do Século das Luzes.

A Guarda: Qual a sua ocupação profissional?

Carlos d‘Abreu: Técnico Superior do Ministério da Educação, sendo pois a burocracia que me garante o pão.

A Guarda: Como aparece a sua ligação à Plataforma Ciudadana en Defensa del Ferrocarril, que tem sede em Salamanca, Espanha?

Carlos d‘Abreu: Precisamente pelas minhas ligações a esse território e a essa cidade, de cuja Universidade sou um antigo aluno e aonde fiz investigação sobre o papel dos caminhos-de-ferro na estruturação da Península, com incidência nas regiões raianas.

A Guarda: Como surgiu a Plataforma e com que objectivos?

Carlos d‘Abreu: A Plataforma constituiu-se para defender o património ferroviário, mormente o da Linha do Douro que, como é sabido, começou a encerrar-se em 1985 do lado espanhol e em 1988 do nosso. Pretende contribuir para a sua reactivação considerando a importância dela para o desenvolvimento regional, não só como oferta turística mas também para o transporte de mercadorias, potenciando o porto fluvio-internacional de Vega de Terrón / Barca d’Alva.

A Guarda: Quem a integra?

Carlos d‘Abreu: Cidadãos antes de mais, a Asociación Amigos del Ferocarril (de Salamanca), a Asociación Ciudadanos por la Defensa del Patrimonio (de Salamanca) e a Asociación Camino de Hierro, esta constituída pelos municípios salmantinos existentes ao longo da via-férra que, recorde-se integra a Linha do Douro, pois esta discorre entre as cidades do Porto e Salamanca. A Plataforma tem como porta-voz o Professor José Andrés Herrero, residente em Salamanca e a dos municípios o alcalde de Hinojosa de Duero, José Francisco Bautista.

A Guarda: Que iniciativas promove?

Carlos d‘Abreu: Várias, destacando-se a realização das “Fiestas por el Ferrocarril”, desde 2003, nos povos atravessados pela linha, com actividades culturais e lúdicas muito variadas, com o propósito de chamar a atenção para o estado de abandono da infra-estrutura ferroviária e clamar pela sua recuperação. Refira-se que a “IV Fiesta” foi realizada na Barca d’Alva, para nos associarmos às Comemorações dos 150 anos do Caminho-de-ferro em Portugal (2006). Foi uma bela jornada, apesar dos entraves colocados à última da hora pela REFER. Aliás os “mass media” dela fizeram bastante eco. Ali juntámos cerca de meio milhar de pessoas provenientes de vários rincões da Península Ibérica.

A Guarda: O que pensa da revitalização da Linha do Douro entre Barca d‘Alva e Pocinho, recentemente anunciada pelo Governo?

Carlos d‘Abreu: Manobras eleitoralistas. Não fosse eu como o S. Tomé. Já um conterrâneo meu há 100 anos atrás, comentando as promessas de um presidente de Câmara, dizia: “Esse mente mais que um ministro!” Já passei a idade da inocência e não me fio em cantigas, sobretudo vindas desse quadrante. Repare que alguns dos que dizem defender essa reactivação são precisamente os que tiveram responsabilidades políticas no seu encerramento. Este sistema político-económico não está interessado no transporte ferroviário convencional, caso contrário desenvolveria essa rede em vez de a encerrar como ainda este ano fez com o que restava das linhas de bitola-métrica ao Norte do Douro. No caso da Linha do Sabor até já venderam a um sucateiro tudo o que era ferro. Conto-lhe que a população de Carviçais, para poder continuar a contemplar o depósito metálico elevado de água na estação, teve que o comprar ao referido sucateiro. Imagine ao que isto chegou…, termos que comprar o que nos pertence para podermos continuar a contemplar o Património que nos foi legado.

A Guarda: A concretizar-se o projecto, que mais-valias traz para a região?

Carlos d‘Abreu: Antes de mais dotará a região de um eixo de circulação internacional, tão necessário para a reposicionar no contexto do mercado ibérico. Possibilitará aos operadores de passageiros, logísticos e turísticos uma extraordinária via de transporte entre o Porto e Madrid, pois este é o percurso mais curto de todos, podendo ainda articular com a criação de um “interface” de contentores a estabelecer em Vega de Terrón, considerando igualmente as magníficas condições de navegabilidade que o Douro oferece e também desprezadas, a não ser mais recentemente para fins exclusivamente turísticos. Sabe que para a reabilitação desse troço de 28 km, segundo a REFER são necessários entre 11 a 15 milhões de euros? Pois é, mas como lembra o especialista em Economia de Transportes Manuel Tão, esse montante equivale à construção de apenas 2km da auto-estrada transmontana. Percebe? As eclusas do Douro também estão preparadas para serem transpostas por embarcações com capacidade de carga equivalente à de 100 camiões de 25 toneladas! Mas quem nos (des)governa é adepto incondicional do betão e do alcatrão... Querem lá saber do “aquecimento global”.

A Guarda: Dedica algum do seu tempo à investigação histórica, que temas tem abordado nos seus estudos?

Carlos d‘Abreu: Considerando a minha formação académica – talvez algo variada - e definindo-me como um Patrimoniólogo (neologismo talvez), tenho-me debruçado sobre o Património Cultural e Natural duriense, a Arqueologia Industrial e as Vias de Transporte na raia ibérica do Douro e, em História das Relações Ibéricas, sendo que esta última faceta é a que está mais presente nas publicações guardenses, através da parceria com o meu querido amigo salmantino Emílio Rivas Calvo.

A Guarda: Como considera a Guarda do ponto de vista patrimonial?

Carlos d‘Abreu: A Gu-arda é uma região, sob esse ponto de vista, muito rica. Tem um invejável Património Cultural e Natural. A Guarda-concelho possui conjuntos urbanos e edificados muito interessantes, que contêm belos exemplares etnoarqueológicos e arquitectónicos, estes sobretudo na cidade. Para não falar do Património Arqueológico, diversificado e de todas as épocas. A Paisagem, a Natureza envolvente, o próprio Ar, são também características invejáveis. E partindo do princípio que só se conhece aquilo que se estuda, muito mais teria se nele (estudo) o investimento fosse maior.

A Guarda: E o que pensa da acção que tem sido feita em relação à salvaguarda desse mesmo património?

Carlos d‘Abreu: A cidade investe em Cultura. Não tenho qualquer dúvida a esse respeito, desde a primeira hora que para aqui vim. Oferece desde há vários anos um variado leque de actividades culturais, difícil de acompanharmos, apesar de por aqui ter aprendido que “o tempo dá-o Deus de graça”! Mas relativamente, por exemplo, ao estudo e salvaguarda do Património Arqueológico, considero também desde essa primeira hora (apesar de ultimamente as coisas neste domínio terem começado a melhorar) que é o parente pobre do Património em geral. Veja-se a amputação do arqueo-sítio romanizado da Póvoa do Mileu, a destruição sem dó nem piedade dos Castelos Velhos, o desrespeito pelas muralhas do velho burgo, com a construção daquele imóvel de grande volumetria que hoje está na avenida dos Bombeiros, dentro da área que a legislação considera como não “edificandi”, pois a cerca está classificada, etc, etc, neste domínio. Mas a conservação do Património Arquivístico também é muito descurada, e aí temos o exemplo dum Arquivo Histórico Municipal que não se sabe (bem) onde está e como se lhe pode aceder. E nesta matéria deparamo-nos recentemente com uma situação abominável relativamente ao que estão fazendo à documentação histórica e intermédia da educação e do ensino neste Distrito, produzida por várias entidades entretanto extintas. Sabemos que por negligência, incúria, omissão mas também acção por parte de várias entidades, ela começou a ser destruída. Não em auto-de-fé, mas porque atirada para um barracão nos arrabaldes da cidade, à mercê das chuvas (que por enquanto ainda foram poucas) e demais agentes nocivos para a conservação de documentação em suporte-papel. Neste caso estamos em face de um verdadeiro crime de lesa-património que nos envergonha a todos.

A Guarda: Que importância atribui ao Centro de Estudos Ibéricos?

Carlos d‘Abreu: O CEI é uma notável instituição com sede nesta cidade. Tem dado um contributo extraordinário à aproximação entre os Povos Peninsulares, consubstanciado numa maior cooperação transfronteiriça que, a vários níveis, começa já a fazer-se sentir. Tem ajudado a conhecermo-nos melhor. A descobrirmos sobretudo aquilo que nos une. A ligação deste território à Universidade de Salamanca existe desde 1218. Agora reforçou-se. No CEI destaco a excelsa figura do Geógrafo Valentín Cabero Diéguez, bom conhecedor do território raiano e amigo de Portugal, na realidade também ibérico. Agradeço muito ao Professor Eduardo Lourenço o repto para a sua criação e, o empenho daqueles que a tornaram possível. Com o CEI a Guarda passou a lugar charneira no contexto ibérico, pelo menos de âmbito castelhano-leonês.


Luís Moreira


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