
Faro [Portugal], 31.10.2009, Semana 44, Sábado, 21:21
Por ser de interesse relevante, editamos na íntegra e com cortesia, o artigo que o Jornal Sol publica na sua versão na internet, ainda relativo com o processo "Face Oculta" da PJ, em que a CP é visada por várias vezes, e que argumenta assim:
Favores no fisco e na GNR
Os negócios de Manuel Godinho que a Polícia Judiciária investigou não se limitam aos concursos e obras para as grandes empresas públicas e aos contactos com os gestores de topo dessas empresas. O empresário chegava também aos quadros intermédios e aos funcionários menos qualificados, que podiam, no entanto, ser-lhe úteis, sempre a troco de contrapartidas, na obtenção de favores para as suas empresas.
Em Fevereiro de 2009, por exemplo, contratou, para trabalhar na sua empresa O2, a mulher de um militar da GNR. Isto como contrapartida «pelo conhecimento que o seu marido lhe fornecia das acções de fiscalização promovidas» pela GNR, nas quais as empresas de Godinho podiam ser alvo.
Também em Fevereiro deste ano, Manuel Godinho entregou dez mil euros a um funcionário da Lisnave, para que este consentisse e criasse as condições necessárias à retirada de cem toneladas de resíduos ferrosos das instalações do estaleiro. Era, no entanto, preciso que estes resíduos passassem por lixo – daí a necessidade do conluio do referido funcionário. Assim, a empresa de Godinho podia imputar à Lisnave a despesa da retirada do lixo que não era lixo e, no mesmo passo, vender os ditos resíduos ferrosos. Um «duplo benefício ilícito», como aponta o Ministério Público no mandado de busca.
Uma operação semelhante foi feita também no Complexo Industrial de Sines da Petrogal. Em Abril de 2009, e depois de ter entregue dez mil euros a João Tavares, chefe de armazém da Petrogal – que já tinha tratado de «afastar alguns trabalhadores que não interessava estarem presentes» -- a empresa de Godinho retirou do Complexo de Sines cerca de cem toneladas de resíduos nobres (cabos de cobre e quadros eléctricos) no valor de 300 mil euros.
O próprio Manuel Godinho deu ordens para que, assim que as camionetas de transportes estivessem cheias, o material retirado do Complexo fosse coberto com resíduos ferrosos. Isto para se «eximirem a qualquer controlo administrativo ou policial», diz o mandado – uma vez que, além da empresa de Godinho não ter alvará para transportar cobre, aquele era material que estava a ser retirado do Complexo de Sines sem se saber.
As camionetas levaram, depois, as cem toneladas de cobre e quadros eléctricos para as instalações de uma empresa chamada Mantaverde, pertencente alegadamente a Paulo Costa – o alto quadro da Galp que é também arguido neste processo.
Ajuda no fisco
Nas escutas e vigilâncias promovidas pela PJ a Manuel Godinho, foram apanhados os mais diversos contactos do empresário, a quem este dava contrapartidas.
Um deles é um indivíduo de nome Mário Pinho, a quem Godinho entrega, entre 2005 e 2009, 35.250 € através de diversos cheques sacados das suas contas.
Segundo o mandado de busca, este indivíduo movia influências e intercedia directamente para que processos fiscais movidos contra as empresas de Godinho fossem arquivados. Não está esclarecido no documento do MP se Pinho é ou não funcionário do fisco.
A pequena corrupção é, aliás, uma constante no relato feito da vida de Manuel Godinho, tal como está descrita neste mandato.
A 27 de Janeiro, o empresário entregou um cheque de cinco mil euros a um funcionário da Portucel. Uma quantia não determinada foi também entregue, a 23 de Fevereiro, a um encarregado de obra de um estaleiro da Estradas de Portugal em Viseu. Isto para além dos envelopes com quantias de mil a cinco mil euros que Godinho manda os seus funcionários mais próximos entregar a indivíduos não identificados a 14 de Maio deste ano.
Manuel Godinho revela ainda ter dois contactos na delegação do Porto da EMEF – uma empresa do universo da CP –, a quem «já haviam sido entregues contrapartidas monetárias em montante não apurado» e que estão disponíveis para, entre outras coisas, informar o empresário do valor das propostas dos seus concorrentes num concurso em que Godinho se mostrou interessado. Um deles diz mesmo ao empresário que «alteraria os valores constantes da proposta a apresentar» pelas suas empresas «para garantir-lhe a adjudicação» do referido concurso.
Há ainda registo, nas escutas, dos muitos telefonemas recebidos pelo empresário de funcionários de câmaras e outras empresas públicas, dando informações sobre concursos e serviços em que as empresas de Godinho podiam ser beneficiadas.
Por exemplo, aquele funcionário da EMEF telefonou a 2 de Abril a Godinho dizendo-lhe que «nas instalações daquela empresa existiam duas banheiras de resíduos para serem carregadas e transportadas para as instalações» da O2. Eram 60 toneladas, percebe depois o empresário. O favor do funcionário desta vez não dá direito a nenhuma contrapartida patrimonial, «por considerar que Manuel Godinho já o havia ajudado muito».
Há ainda registo de um indivíduo chamado António que informou Godinho, a 27 de Fevereiro, de que iria ocorrer na Guarda um processo de consulta para adjudicação de trabalhos na área dos resíduos informáticos. O mesmo indivíduo garantiu-lhe ainda que só seriam consultadas as empresas do grupo do empresário.
Dias mais tarde, a 4 de Março, o cabo Lourenço da GNR pediu a Godinho «outra palete de cimento» como «contrapartida» pelos serviços prestados – e que são de «omissão dos seus deveres de fiscalização», diz o mandado do MP.
No dia 20 de Março, um outro indivíduo, de nome Abílio Guedes, informou Godinho que a REFER ia lançar uma empreitada de âmbito nacional – sendo que a PJ descobriu que a filha deste Abílio estava a trabalhar na empresa de Godinho, a O2, pelo menos desde Setembro de 2008. Isto como contrapartida, diz o mandado, pelos favores proporcionados pelo referido Abílio.
Finalmente, há registo de várias chamadas feitas por um funcionário não identificado do Departamento de Finanças e Contabilidade da CP – que ligava sempre de um telemóvel registado no nome deste departamento.
Nos diferentes contactos feitos, Godinho ficou a saber, antecipadamente, do valor das propostas apresentadas pelos outros concorrentes a um concurso promovido pela CP para o desmantelamento de 30 carruagens estacionadas na Estação do Pinheiro.
Este funcionário ligou mais tarde dizendo-lhe, primeiro, que propôs ao seu director a adjudicação do concurso à empresa O2, de Godinho. E depois confirmou-lhe a decisão de adjudicação.
Tudo isto se passou entre 12 e 13 de Agosto de 2009. No final do dia 13, num último contacto telefónico, o mesmo indivíduo da CP questionou o empresário sobre «as contrapartidas patrimoniais pela sua intervenção» neste «favorecimento da O2».

Luís Moreira
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