19 outubro 2009

News Release 1095 : Já não há comboios assim (Saudades de um momento)


Faro [Portugal], 19.10.2009, Semana 43, Segunda-feira, 18:44 - Nesta News Release, vamos lembrar e fazer recordar para quem gosta verdadeiramente de comboios, uma viagem que fizemos no final do Verão de 1976 em plena Linha da Beira Alta. Quem conhece, siga pelo pensamento e memória, quem não conhece siga pelo esquema que acompanha esta News Release.

Vamos passar a um discurso directo, sempre num tom amigável, como quem conversa com um amigo. Vamos então viajar e sonhar, porque já não há comboios assim.

Aqueles que mais conhecem a minha história, sabem que o meu amor e dedicação total aos comboios e à CP, deu-se entre a Covilhã e o Porto, via Linha da Beira Baixa, Linha da Beira Alta e Linha do Norte. Em qualquer ponto destas 3 linhas, vivi momentos que nunca mais esqueço, em especial na Pampilhosa, a minha estação preferida. O momento de que tantas saudades tenho, passou-se na Beira Alta, já no seu percurso final, entre Santa Comba Dão e a Pampilhosa (sentido descendente, claro está) que é um dos mais bonitos e recordar, que estamos em 1976, não há catenárias, só há tracção diesel pura e magnífica. Militam aqui as 1800 que anos depois passaram para a Região Sul, para dar lugar às míticas 1960 e as carruagens do meu comboio são uma mistura de 10-69, 21-40, 22-40 e algumas 21-69 e ainda um furgão D'Argent. A 1800 que nesse dia fez este trajecto era a 1804, estive à beira dela na estação da Guarda, quando ainda com apertadíssimas plataformas e linhas, se faziam as manobras para compor este comboio de 17 caixas + locomotiva. Eu (com 16 anos então) e a minha família, iamos na carruagem (ver esquema) amarela (era uma 22-40), portanto só tinha mais uma para trás do meu ângulo de visão.

Venho da Covilhã no comboio Directo 3111 que vindo de Lisboa-P pela Beira Baixa, terminava na Guarda, com uma 1550 à cabeça, mas nesta estação, as suas carruagens não ficavam aqui ou voltavam para trás novamente pela Beira Baixa, não, eram atreladas à cauda do Semidirecto 1212, que procedente de Vilar Formoso se destinava a Lisboa-P.

Chego à estação da Guarda e faz calor, aquele calor típico das Beiras e da Serra da Estrela e vou então ao antigo EP da estação (já não existe) e compro gelados Olá para todos e saio cá para fora e vejo as manobras na estação, para formar o meu comboio. Sai a 1550 e a 1800, aos poucos e poucos vai formando o comboio, indo buscar igualmente 3 ou 4 (já não me lembro bem) carruagens que estavam parqueadas numa linha de topo e junta tudo, não ficou uma carruagem na Guarda, só a 1550 e vagões isolados, e quando chega a hora, lá parte ele para fazer a Beira Alta com uma 1800 e 850 toneladas em carga (17x50t). Faço todo o percurso sempre à janela com visões que nunca mais esqueço porque simplesmente inesquecíveis.



Chegamos a Santa Comba Dão e o comboio que vinha com um atraso já de 15 ou 20 minutos, que vinha recuperando pelo caminho, conseguiu chegar à Pampilhosa com 2 ou 3 minutos de atraso, uma odisseia espectacular. E o melhor momento, é este, o dia já está quase findo (chegada à Pampilhosa às 19:40) e o sol está no seu ocaso, a 100 km/h, vejo a passagem pela ponte do Dão num ruído magnífico, entrada no túnel do Coval, depois paragem em Mortágua, novamente em velocidade os túneis de Monte de Lobos, Ribeira, Trezói, Azeval, Espinho e já bem lançado (só ia parar no Luso) vejo aquele dançar característico das carruagens quando circulam embaladas numa via que assenta em travessas de madeira e entro com aquele impacto que se sente sempre (vácuo, quando se entra em túnel com a janela da carruagem aberta) e perante o calor sufocante que vindo de dentro do túnel e que sinto na cara (a 1800 com máxima potência) e respectivo ruído tão característico (diferente de uma ponte), percorro o magnífico túnel do Grande Salgueiral, sai-se e novamente outro, muito mais pequeno, o do Pequeno Salgueiral, depois segue-se o túnel de Portinhas e depois vem a ponte das Várzeas, com o casario lá em baixo com poucas luzes e paramos no Luso, partimos porque a Pampilhosa já está a chegar, sem antes fazermos o túnel dos Carpinteiros e entramos no cenário nocturno da Pampilhosa, com o meu comboio a quase não caber dentro de agulhas.

Fazemos transbordo para o lado da Linha do Norte, junto com muitos passageiros que vão para o Norte também, e esperamos pelo nosso comboio que vindo de Coimbra, vai para Campanhã. É uma 2500 que reboca esse comboio e a carruagem em que viajo é uma Schindler 21-22, imaginem, ainda com bancos de pau.

Como nos dias seguintes recordei estes momentos, debaixo de uma grande constipação e os olhos inflamados por levar com o vento e o frio na cara, pois fiz entre a Covilhã e a Pampilhosa, a viagem sempre à janela. A minha saudosa mãe, disse-me, assim: não tenho pena é bem feito, é para aprenderes. Ainda bem que aprendi a não esquivar-me destes momentos de grande prazer e a não perdê-los, claro está, para quem ama de verdade, os comboios, como eu.

Qualquer dia, contamos outra história, para delícia de quem gosta deste tipo de momentos em ambiente ferroviário.

Luís Moreira


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